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Patrícia    Colmenero

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A escritora e diretora cinematográfica Patrícia Colmenero, teve a sua crítica experimentalista, o filme A Hora Dos Tigreiros, selecionada para o Experimental Brasil.

1- Tudo bem? Poderia se apresentar aos nossos leitores e contar um pouco sobre quem é você, de onde é e o que faz?

Eu sou Patrícia Colmenero, diretora do A hora dos tigreiros (Tiger Hour). Minha jornada passa pela literatura, com a publicação do meu romance Porque até a morte terei fome (2012); pela vida acadêmica, com meu doutorado em cinema; e pela realização de filmes, ousadia que demorei para aceitar que era para mim, mas a qual venho me entregando desde 2019.

2- Seu filme Tiger Hour foi selecionado para entrar no nosso festival. Poderia falar um pouco sobre ele?

Tiger Hour foi meu primeiro filme feito fora do meu país, o Brasil. Todo processo de imigratório é traumático. Em um mês da mudança de Brasília para Nova York, me senti extirpada da minha humanidade. Nesse pequeno tempo, descobri que as regras do jogo aqui não só são feitas pra eu perder, mas pra eu nem jogar. Da violência do choque cultural, fiz meu primeiro filme com violência. Esse tema nunca me interessou em sua manifestação gráfica, nunca fez parte da minha pesquisa. Mas ao invés de só aceitar meu papel de excluída do sistema; resolvi empurrar, espernear, morder e criar espaço para mim. 

Tiger Hour é o experimento visual desse confronto, em parte sedutor, em parte fatal, entre as extremamente brancas e loiras Barbies e os peludos e coloridos bichinhos de pelúcia.

3- Como funciona o seu processo criativo?

O nascimento de um filme vem das minhas relações com outras obras. Para Tiger Hour, o poema Playroom de Fatimah Asghar foi o despertar. Fatimah descreve um cenário em que eu me vi muitas vezes quando brincava de boneca com a minha irmã e outras amigas. Meio sem graça e em segredo, a gente colocava as Barbies para transar e descobria ali, no quarto de brinquedos, que todas nós brincávamos desse mesmo jogo sigiloso. Mas além do acordo silencioso que existia em torno do nosso desejo infantil, existia o pacto nunca verbalizado com os corpos das Barbies. Ali o enigma impenetrável: como brincar de fazer de conta que eu era uma garota gringa, loira, de olhos azuis, com longos cabelos lisos, grandes seios, uma micro-cintura e os pés curvados, feitos para saltos? Da violência dessa negação, me reconectei com o texto de Glauber Rocha, A estética da violência, outro guia neste processo: “uma estética da violência antes de ser primitiva é revolucionária, eis aí o ponto inicial para que o colonizador compreenda a existência do colonizado; somente conscientizando sua possibilidade única, a violência, o colonizador pode compreender, pelo horror, a força da cultura que ele explora.” Eu queria falar dessa violência colonizadora atropelando o nosso desejo, entrando pelo quarto das crianças, nos seduzindo, mas também se esquivando de nós. Outra obra que me estimulou e afetou as minhas estratégias de planejamento da fotografia e edição desse filme foram as colagens da obra SCUMb: the Society for Cutting Up Men’s Books de Justine Kurland. Nessa obra, ficamos com o que sobra de fotografias tiradas por artistas homens quando os homens são retirados das imagens. Essa reconfiguração expõe a experiência violenta da representação dos corpos femininos. 

4- Por quê cinema experimental?

Esse filme exigiu o formato experimental. O lugar em que ele nasceu em mim estava mais perto da zona do poema visual do que da narrativa ficcional. Não me interessava traduzir o amálgama dos meus estímulos referenciais em algo processado por uma narrativa. Preferi oferecer para o público o diálogo de uma experiência. 

Ao mesmo tempo, eu tinha muito interesse em brincar com o filme experimental de um lugar mais cômico. Muitas vezes, o cinema experimental é esse lugar sério e angustiante. Eu queria ver o que aconteceria se eu trouxesse elementos de humor para esse gênero.

5- Quais as suas metas dentro do cinema? Até onde você quer chegar?

 

Espero chegar em lugares de prazer.  Fazer cinema ao mesmo tempo nutre minha humildade e minha confiança. É impossível estar completamente preparada para um filme. A linguagem do cinema exige muitos talentos e habilidades holísticas. É impossível saber tudo. Isso mantém acesa minha chama do aprendizado e meu desejo de continuar investigando essa linguagem. Ao mesmo tempo, terminar um filme coloca uma energia inexplicável no seu corpo. E a sensação do milagre e também do poder divino da criação.

6- Como você vê o presente e o futuro do cinema brasileiro?

 

Acredito que o brasileiro está sempre testando a tese de se Deus é brasileiro. A gente produz nas piores condições e acredita contra todas as perspectivas. Nosso cinema nacional viveu uma crise profunda durante o último governo e a pandemia. Como a maioria dos países, precisamos de mais incentivos para tornar viável um cinema nacional. Eu acredito que precisamos de boas notícias, precisamos de apoio e motivação. Para que os jovens não desistam de fazer cinema e possamos continuar tendo futuro. O nosso passado já mostra que podemos. O futuro depende da nossa luta hoje.

 

7- Qual o seu conselho para quem quer fazer cinema no Brasil?

Conheça seus ancestrais. Não estamos sós. Você tem pai, mãe e avós no cinema. Conheça os filmes brasileiros que vieram antes de você. Não há solidão na ancestralidade. Para construir um cinema, é preciso saber que já temos um cinema.

 

8- Como você vê o cinema atual que chega ao grande público no Brasil?

Infelizmente, porque mal temos formas de incentivar a distribuição, a maioria dos filmes que chegam ao grande público não são brasileiros. Em 2019, porque a Lei da cota de tela não tinha sido renovada pelo governo, você não conseguia achar outro filme pra ver que não fosse Vingadores. Em pessoas que conhecem cinema, isso causa revolta; no público geral, imagino que gere a falsa noção de que não temos filmes bons o suficiente para irem para as salas de cinema.  Conversando com uma produtora francesa, descobri que o cinema francês sobreviveu porque o governo subsidiou as salas de cinema para que nenhuma delas fechasse durante a pandemia. Isso é impensável para a realidade histórica do Brasil, em que a maioria das cidades nem sequer tem salas de cinema. Mas gostaria de sonhar com soluções assim para o nosso país. A imaginação é a primeira ferramenta da mudança. 

9- Quais os pontos fortes e fracos no atual cinema brasileiro? E o que seria possível fazer para melhorá- lo? 

Eu vejo cruzamentos inteligentes no nosso cinema por exemplo no que Anna Muylaert fez com o filme Que horas ela volta. Ela pegou uma artista de apelo popular, como a Regina Casé, explorou um tema complexo e profundamente brasileiro e fez uma direção inteligente, que estimula tanto os intelectuais quanto o público geral. Acho que para um cinema de autor de baixo a alto orçamento, essa é uma saída inteligente, porque ancora o público em algo conhecido (pode ser um ator, um tema, uma locação) e dá espaço para outras investigações. Também acho que cinemas como o que os diretores do Filmes de Plástico estão fazendo mostra que o público brasileiro e internacional quer ver outras histórias, que podemos sair do eixo Rio-São Paulo, que há um país inteiro se contando em tela. 

10- Como tem sido a repercussão do seu filme? Tem valido a pena? 

Sempre acho que vale a pena fazer cinema. Até o momento não é sustentável, mas ainda sinto que vale a pena. Gosto muito da experiência coletiva de criação. 

O filme começou agora suas exibições públicas, mas por enquanto tem sido muito divertido quando eu consigo estar presente para exibição. Adoro ver a reação das pessoas, ouvir algum comentário. Na primeira exibição, eu captei alguém falando “Oh my God”, em completo choque. Para mim, aquilo foi uma delícia. Eu gosto de como o filme surpreende e ninguém sabe para onde ele está indo. É imprevisível. Também gosto de ouvir para onde as pessoas levam o filme. Varia muito, desde o acharem engraçado a acreditarem que ele podia estar em uma galeria de arte.  

 

11- Talento, esforço ou sorte? O que conta mais?

Para mim, boa sorte. Sem boa sorte não tem filme. Talento - não sei se acredito nesse conceito. Acredito em trabalho, esforço. Acho que trabalho gera coisas boas e que isso pode ser chamado de talento. 

12- Qual seu cineasta preferido? Por quê?

Eita pergunta dificil.Eu me sinto muito inspirada pelo ethos de criação de caras como o Glauber Rocha e Rogério Sganzerla, mas ao mesmo tempo acho a obra deles bastante misógina, resultado daquele momento. Karim Ainouz faz um cinema com escolhas estéticas que me emocionam e com uma sensibilidade de temas linda. Petra Costa e Agnes Varda me tocam com a forma como elas provam que o cinema pode ser intimista, pessoal e ainda assim falar uma língua falada por muitos. Filmes como Breaking the waves e Dançando no escuro do Lars Von Trier me movem muito, apesar de quão controverso é o diretor e do fato de que não gostei de para onde o cinema dele foi parar. Com certeza estou esquecendo de muitos preferidos. 

13- Quais os seus cinco filmes preferidos de todos os tempos?

Outra pergunta cruel! Acho que o filme preferido vai mudando com as fases da vida e com o que estamos interessados em explorar no nosso próprio cinema. Acho que filmes que sacudiram minhas estruturas e seguem sendo faróis são: Ilha de Glenda Nicácio e Ary Rosa; Terra em Transe, de Glauber Rocha; Dançando no escuro, de Lars Von Trier; Olmo e a Gaivota, de Petra Costa; Pantano, de Lucrécia Martel.

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